- Este artigo busca discutir a sustentabilidade do sistema de gestão dos resíduos sólidos urbanos tomando como referência as dimensões político-institucional, técnico-ecológica, socioeconômico ambiental e cultural-educacional, sob o olhar da transdisciplinaridade.
- A quantidade e a complexidade dos resíduos vêm crescendo e transformando-se em grave ameaça ao meio ambiente, tanto na produção do resíduo material, como também, do social – pessoas que sobrevivem, comem e morrem nos lixões. Conclui-se que para haver sustentabilidade o sistema de gestão deve contemplar a complexidade das relações entre os agentes sociais envolvidos – poder público, população, catadores de lixo e empresas recicladoras – através de ações transdisciplinares.
- A questão dos resíduos é hoje uma das maiores preocupações e a maior marca de despesas das administrações municipais. Soluções técnicas isoladas resolvem parcialmente o problema, já que na medida em que o tempo decorre, observa-se que a quantidade e a complexidade dos resíduos vêm crescendo transformando-se em grave ameaça ao meio ambiente.
- A produção dos resíduos é na realidade o resultado de uma sociedade de consumo, que gera não apenas o rejeito material, como também o social, como é o caso dos catadores de lixo, que se alimentam e sobrevivem do resto e das sobras daqueles que consomem e descartam o que se considera inútil.
- De uma maneira geral, no Brasil, o catador de lixo é mal incluído economicamente e excluído socialmente. Ele é o elo mais frágil da cadeia econômica do modelo de desenvolvimento em que vivemos. Eles são excluídos socialmente, pertencendo a um grupo ‘sem’ moradia, ‘sem’ escola, ‘sem’ direito a tratamento de saúde e previdência social e vivem numa situação de ilegitimidade. Neste processo é importante conscientizar que do outro lado do lixo, há um outro, um catador, que sobrevive dos resíduos e que desvelam na vivência diária com os lixões urbanos, o lado escondido e anônimo da cidade.
- O sistema de gestão de resíduos, quando adotado, busca dar legitimidade aos catadores integrando socialmente estes agentes sociais dentro do processo. Este sistema ainda hoje é composto por um conjunto de ações, tais como redução dos resíduos na origem, reciclagem, tratamento e destinação final, acompanhada por uma proposta de educação ambiental para a conscientização da população que realiza a coleta seletiva nos domicílios.
- Algumas parcerias ou relações diretas e indiretas entre os agentes sociais – o poder público, a população e os catadores –, estão diretamente ligadas pelo circuito da coleta seletiva. Neste processo, a população deve realizar a primeira coleta seletiva nas unidades domiciliares, o departamento de limpeza urbana coleta os resíduos, distribui para as unidades de triagem, recolhe os rejeitos e os transporta aos aterros sanitários.
- O poder público deve estimular a organização e prestar assessoria jurídica às associações e cooperativas de catadores de resíduos, para a construção dos galpões de reciclagem e para a entrega dos resíduos da coleta seletiva – vidros, latas, papéis e plásticos – nos galpões, buscando a inclusão deste grupo de agentes sociais, que, organizados, realizam a triagem destes materiais e vendem para as empresas recicladoras.
- Entre unidades de triagem, catadores de rua, intermediários e empresas, observa-se uma relação prevista de comércio, onde a integração se dá como uma engrenagem mecânica, cujo objetivo é o lucro. A empresa dita o mercado, compra os resíduos dos intermediários, que por sua vez os compraram dos catadores e dos operadores de triagem. Surge assim, uma nova sub-relação com o aparecimento de um apropriador de resíduos - que não é necessariamente o catador de rua – que na coleta informal tem recolhido uma parte dos resíduos dispostos pela população.
- As escolas também devem constituir unidades de coleta seletiva e, participar de projetos de educação ambiental estruturados pelo poder público, empresas e a comunidade. Uma nova relação social estabelecida é da escola com as empresas que realizam programas de educação ambiental com o objetivo de incentivar a reciclagem na escola que vende ou troca resíduos por kits escolares, computadores e outros brindes.
- Para que o sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos seja eficaz, a integração entre os agentes sociais é fator fundamental. Além das parcerias, outros fatores contribuíram para a integração:
1. a continuidade da proposta política da gestão de resíduos e,
2. o valor econômico dos resíduos sólidos urbanos e o caráter sócio ambiental do sistema de gestão de resíduos.
- A educação tem um papel muito importante no processo, pois promove a reflexão compartilhada das ações propostas e a consciência do pertencimento social através de uma ação transdisciplinar.
A transdisciplinaridade propõe o diálogo entre as diferentes áreas do saber, de forma a articular a multireferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo. A sua utilização como forma de conhecimento necessita estar ancorada em uma metodologia embasada em:
1. reconhecimento dos vários níveis de realidade,
2. a complexidade do mundo.
- O trans é o que está entre as disciplinas, através delas e além, dando uma idéia de transcendência e de inter-relações no mundo e na vida.
- O primeiro item leva-nos a compreensão de que a realidade possui vários ‘níveis’, que dizem respeito às partes que constituem o todo. No caso do sistema de gestão de resíduos, observa-se níveis de realidade diferentes: de um lado a riqueza, o consumo, o desperdício, o descarte e, de outro, a miséria, a inclusão perversa de um grupo de agentes sociais – catadores de lixo – que ainda vivem à margem do sistema.
- O segundo, a complexidade, está presente na natureza da vida e das coisas. Ela está em todas as partes e caracteriza as questões ambientais, no caso dos resíduos, uma verdadeira integração implica em circularidade e retroalimentação do sistema de gestão, com mecanismos de correção dos desvios e atenção às novas emergências surgidas no processo de desenvolvimento. Essa integração exige a criação de redes relacionais de sustentação da comunicação e de educação entre os agentes, que neste caso é a população, os catadores de lixo, o poder público e as empresas recicladoras que utilizam os resíduos como matéria prima.
- Para que este sistema seja eficaz, a relação entre os agentes é fundamental através das parcerias estabelecidas entre eles e através da continuidade da proposta política da gestão de resíduos. O caráter sócio econômico ambiental impresso nesta proposta busca o estabelecimento de uma rede solidária e não apenas mercadológica.
- No entanto, observamos situações extremas de inclusão/exclusão, traduzidas pela questão de como lidar com os resíduos, que, por um lado, representam um problema que tende a agravar-se gerando a sobra de um consumo exacerbado da modernidade e, por outro lado, significam profundas desigualdades simbolizadas pela margem social. Apesar de serem registrados avanços e conquistas no que se refere à integração do sistema nos seus mais diversos níveis, observamos, na prática, a existência de uma série de conflitos e contradições que se estabelecem no cotidiano, a margem do sistema.
- Busca-se aqui compreender e analisar as contradições e os conflitos do sistema de gestão de resíduos, que surge como algo que não se expõe ou não se aponta, mas, que está presente nas relações estabelecidas com o grupo de pessoas que trabalham com os resíduos e a sociedade.
- É a manifestação de uma coletividade que não se comunica ou não se mostra. Assim, a margem do sistema pode ser interpretada como a expressão de uma parte da sociedade que é tratada com preconceito, exclusão ou má-inclusão social. Para remover aquilo que está à margem obscurecida, é necessário o uso de uma iluminação. Então a educação ambiental surge neste contexto como uma fonte de luz capaz de clarear e proporcionar meios de diminuir os danos sociais e ambientais causados pelo sistema consumista.
- Para que a gestão dos resíduos seja sustentável, a educação deve ser compreendida como eixo integrador que favoreça a necessária mudança cultural. Ela deverá ser o elemento de articulação das dimensões técnicas, políticas, teóricas, simbólicas e afetivas que fazem parte da trajetória humana no planeta. A educação ambiental planetária que buscamos é uma ação pedagógico-interpretativa das relações do homem consigo mesmo, com o outro e com o meio ambiente. É necessário que haja ações transdisciplinares, para uma verdadeira mudança de padrões, uma mudança interior nas pessoas abrindo espaço para a construção de um novo olhar em que o interesse e a preocupação com a natureza permitam o surgimento de uma relação de amorosidade, cuidado e pertencimento.
- Para finalizar, há um problema de resíduos, há uma causa social explícita (o modelo de desenvolvimento econômico), há um objetivo a ser atingido (a sustentabilidade sócio ambiental), há uma necessidade de mudança de paradigma e há um instrumento, dentre outros, à educação ambiental que contempla uma variedade de ações transdisciplinares.
Dessa maneira, o enfrentamento deste desafio não é uma tarefa que possa ser resolvida por um único setor, mas por um conjunto de esforços. Todas as categorias sociais devem estar mobilizadas em um amplo trabalho coletivo que tenha como propósito debater e buscar soluções para este problema em toda a sua complexidade, através de atitudes permanentes.